Distopia... Uma realidade assim tão longínqua?

09/04/2020





Olá a todos!! :)

Hoje, a publicação não é sobre um livro. Nem tão pouco sobre uma série que acabei de ver. Hoje, partilho abertamente convosco algo que não me larga a cabeça com tudo o que tem acontecido à nossa volta ultimamente...

Como sabem, adoro distopias.

Muitas vezes vos disse que adorava ler livros deste género, talvez até vos tenha confidenciado o quanto gosto de escrever distopias... Livros que trazem até nós um mundo escurecido, normalmente caracterizado pela opressão de um povo, pelo desespero ou pela privação num ambiente frequentemente pós-apocalíptico. Adoro imaginá-lo nas páginas, alimentando o meu lado pessimista e fazendo-me pensar sobre o pior que o Homem pode enfrentar. Sobre o pior que o Homem pode ser.

Mas nunca, nem mesmo no meu maior devaneio, desejei vivê-lo na pele. Nunca sequer pensei que isso fosse possível. Até o ser. Não falo de governos opressores, mas do sentimento generalizado de medo e descrença que se tem vindo a sentir. Do mais enevoado do nosso interior que se tem vindo a dar a conhecer nas últimas semanas.


Como em qualquer livro apocalíptico, as coisas aconteceram depressa. A história de um vírus além-fronteiras chegava-nos pelas notícias de mansinho. Mas nada que nos pudesse tirar o sono. Ainda estava tão longe... De repente, fala-se de suspeitas em Portugal, e aí um certo nervosismo começa a sussurrar-nos ao fundo da consciência. E em menos de nada confirma-se que há portugueses infetados com COVID-19. Sem que demos por ela, estamos todos a evitar contacto uns com os outros, há empresas a fechar, escolas e universidades encerradas e casos positivos de vírus na nossa localidade. É declarada Emergência Nacional. Talvez algumas destas coisas devessem ter acontecido mais cedo para nos alertarem e protegerem, mas isso não é o que nos incomoda agora. Agora, estamos em casa (os que podemos fazê-lo). Encontramo-nos em casa há dias, a tentar trabalhar e a lamentarmo-nos pela falta de produtividade, ou então a sentirmo-nos vazios porque não encontramos nada de útil para fazer. Procuramos um livro e acabamos a pousá-lo algum tempo depois, tentamos ver uma série mas não chegamos ao último episódio. Vagueamos pelas redes sociais e tentamos animarmo-nos com as piadas que consolidam o vácuo dos medos que não queremos deixar sair; mas até disso nos cansamos. E assim acabamos a olhar indolentemente para o sol e a pensar em como estamos a vê-lo do lado errado da janela. As ruas estão quase desertas (e as que não estão deveriam estar). De vez em quando, passa um carro a arrastar-se pela estrada silenciosa. Por muito sol que esteja, não o conseguimos sentir. Parece quase sempre nublado. Não há sol nem chuva, alegria ou tristeza, o céu não tem sentimento, parado e sem cor.

Mas as distopias não são apenas sobre estes sentimentos que agora nos envolvem de forma sombria. Na verdade, quase todas as distopias se centram numa minoria egoísta que potencia o mal para o bem próprio. Uma minoria que coloca os seus interesses à frente de todas as outras pessoas, como todos aqueles que açambarcaram os supermercados do país levando mais comida do que conseguirão comer, deixando o seu instinto animalesco dizer-lhes que, no perigo, é cada um por si. Pior ainda, são as pessoas que sabem que devem ficar em casa e arriscam diariamente a vida dos outros com uma naturalidade verdadeiramente assustadora. Isso sim, torna o meu céu mais cinzento. Isso sim, revela o lado mais negro do Homem. A absoluta indiferença pelas vidas que são ceifadas todos os dias. Uns por ignorância, mas muitos certamente por irresponsabilidade. A mesma irresponsabilidade que leva à morte dos vários que, em circunstâncias normais, poderiam sobreviver e que não conseguirão por falta de recursos do sistema. Sabem qual é a diferença de mortes "desnecessárias" entre 50% da população portuguesa respeitar a quarentena face a uma situação de 80% de cumprimento? E não raras vezes são os próprios idosos (maior grupo de risco) que desobedece às medidas que os querem proteger. Alguns por falta de conhecimento acerca da propagação do vírus e da sua verdadeira gravidade (afinal, eles já viveram muito... esta situação não pode ser assim tão diferente de tudo isso!). Outros numa espécie de ato de afirmação e rebeldia de quem acredita que lhe querem roubar a independência agora no final da vida.

E, se a negligência destas pessoas é verdadeiramente frustrante para nós, então imaginem o quanto deve revoltear o interior de um profissional de saúde perceber que há pessoas no seu país a espezinharem o risco de vida em que se colocam diariamente para salvar os outros. Saberem que há lá fora quem ignore os avisos das autoridades, desprezando o sofrimento avassalador que é ver pessoas a morrerem à sua frente por falta de recursos. E o pior é que muitas destas pessoas são jovens que saem à rua sem necessidade, despreocupados porque o coronavírus "ataca apenas os mais velhos", ridiculamente iludidos e alheados do facto de as suas saídas poderem levar a contágios a grupos de risco que resultem em mortes. E, infelizmente, quando tiver de se escolher quem sobrevive com acesso aos equipamentos (e isso já está a acontecer), não serão os idosos a receberem essa oportunidade; o direito à vida ser-lhes-á negado e entregue de mão beijada aos jovens ignorantes que decidiram sair à rua sem motivo e acabaram contagiados.

Depois de tudo o que sabemos, a maioria das mortes que ocorrerem a partir de agora não serão simples contágios. Serão homicídios. As futuras mortes serão quase certamente provocadas pelas pessoas irresponsáveis que decidem arriscar, não só a sua vida, mas também as de todos os outros com quem se cruzam. Espero mesmo que todos tenham isso em conta a partir de agora. Somos todos responsáveis uns pelos outros. Estas vidas estão nas nossas mãos.

E só assim poderemos sair desta distopia em que vivemos. Lembrando-nos de que a distância foi um enorme sinal de amor e de cuidado. Isso, sim, dava um bom mote para um bom livro. Um livro que, apesar de distópico, serpenteia pelo romance para nos lembrar de que o Homem não é totalmente negro. Existe um lado bom.

Todos sabem que agora enfrentamos uma guerra. Uma guerra silenciosa com um inimigo que não conseguimos ver. Um inimigo capaz de nos invadir o próprio corpo sem que possamos perceber. Mas a realidade é que, pela primeira vez, todos os Homens estão no mesmo lado da arena. A verdadeira batalha não está em "matar" o vírus, porque isso seria impossível. Está em contê-lo e aos seus efeitos. Está em revelarmos o lado mais altruísta de nós mesmos e colocarmos o bem comum acima da nossa vontade de sair à rua. Exatamente o oposto do que acontece numa distopia.

Qual dos lados do Homem querem que vença? Qual dos lados do Homem vão lutar para que vença?

Todos os dias, mesmo no meio disto tudo, deparo-me com pequenos sinais de que o mundo não é só feito de pessoas egoístas. Chegam-me aos ouvidos histórias daqueles que continuam a lutar por salvar vidas, direta ou indiretamente. Para além dos heróis de primeira linha, muitos são os que ajudam a conter o vírus. Jornalistas, caixas de supermercado, polícias, bombeiros, responsáveis pela limpeza urbana, e tantos outros, saem diariamente à rua e conscientemente esforçam-se para que a restante população (como eu) possa ficar em casa com todas as necessidades básicas asseguradas, mesmo que isso signifique evitar o contacto com as suas famílias. Conheço pessoas que se organizam para ajudarem os que vivem nas ruas e não têm como se proteger. E há ainda mil e uma pequenas coisas que nos enchem de uma energia forte e positiva: mensagens de conforto, vizinhos talentosos a tocarem música nas varandas para tornar os dias de todos mais luminosos, ruas inteiras a baterem palmas num sincero agradecimento aos que cuidam da saúde dos infetados. Pessoas que usam a sua voz para chamarem a atenção e apelarem ao cuidado de todos. São estes, bem como todos os que apoiam a manutenção da minha sanidade mental, que me fazem ver este céu menos nebuloso e quieto.

Assim como quem nota algo de novo, começo a ver através da janela um raio de sol rasgar a camada acinzentada e afirmar-se com a força revolucionária da esperança. Todas as distopias se destroem quando ela surge: esperança. É essa a faísca que nos faz acreditar num mundo melhor. É ela que nos faz mover contra o que nos prende e magoa.

Olho uma vez mais para o céu... Como um raio de sol consegue ter o poder de me fazer ver tudo mais vivo e iluminado. Sou assaltado por essa faísca, que se espalha dentro de mim num calor reconfortante. Sinto-me positivo, com força. E então, já sei por que lado lutar. Não tenho dúvidas de quem vai vencer.

E vocês, já escolheram que parte do Homem querem que vença? Preparem-se para o fazer ganhar. Tornem-se mais luminosos. A vocês e aos que vos rodeiam. Só se o fizerem é que será possível.

Boas leituras!! E boas atitudes! ;)

(AVISO: Assim como o restante conteúdo do blog, este conto está protegido com direitos de autor)


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